12.27.2004

PLE apresenta - Christmas Carrol (O Natal de Carol)

Aqui respeitamos o Pai Natal e as mães virgens que, à semelhança de Maria, foram tocadas no ventre pelo Espírito Santo. Ocasionalmente respeitamos o Menino Jesus e JAMAIS permitiremos que o Rei Herodes repita a gracinha de há uns mil anos atrás.

PLE apresenta: Christmas Carrol (o Natal de Carol)

Parte I

Cai a noite. Singelamente Salvador espalha o óleo pelo mastro do barco em miniatura que começou a construir no início do ano. Ao canto da jubilosa sala, o pinheiro assume uma estranha grandiosidade provocada pela falta de embrulhos e de caixas com laçarotes que em tempos idos agraciavam este espaço.
No outro lado da rua, Matias agarra-se vigorosamente ao pau da vassoura com que limpa a entrada da sua neve. Nota-se, pelos traços indiferentes que definem o seu rosto, que está distante, abismado, longinquamente buscando a alegria e as tristezas que já não fazem parte de si.
Duas casas abaixo uma frágil menina geme num misto de dor e de prazer enquanto o seu avô esfrega o pau enrolado em algodão, que depois limpa a um pano, com que retira o sebo dos ouvidos da criança. Defronte à janela, nada escapa ao olhar fotográfico daquela criança.

Parte II

Já velhinha, Brumilda Hosana excita-se ainda hoje quando acaricia os caracóis de seu neto, Jesualdo. Repetidamente o petiz implora Conta avó. Só mais uma vez. Está bem Jesualdo, acede a velhinha derretida com a doçura do seu descendente.
Caia a noite e o meu avô tirava a cera dos meus ouvidos. Como sempre, depois desta limpeza, ia para a cozinha e fazia-me chá e torradas, e igualmente eu pegava na escova para me pentear. Foi então que aconteceu... como por magia senti o meu coração a querer saltar-me do peito, os olhos a querer sair puxando toda a cabeça e corpo para a rua e os ouvidos a estalar estridentemente. Apavorada levantei-me tão rápido que mais depressa ainda caí. Queria morrer! Depois, tão depressa como a aflição apareceu, senti uma calma reconfortante e todas essas sensações tinham passado, como por magia. Olhei pela janela e a rua já estava deserta. Em cima da minha cama estavam o chá e as torradas, frias como o parapeito da janela onde adormeci. Aos pés do meu leito estava um livro sem desenhos ou letras na capa, antes completamente branco. Pensando ser uma prenda do meu avô, peguei nele com ansiedade. Então aconteceu-me aquilo que menos esperava e que mudou por completo a minha vida.
Este era um livro especial, sem páginas. Um género de televisor onde via as imagens eram bem reais. Nele vi o meu vizinho Matias a aperaltar-se em sua casa. Apavorada fechei o livro. Mas a curiosidade venceu o medo e vi-o em frente ao espelho, a aconchegar o seu sexo. Saiu para a rua, atravessou a estrada e entrou na casa de Salvador. A porta fechou-se suavemente. Lá dentro fizeram coisas que eu nunca tinha visto até então e que não me atrevo a contar-te.
De repente sinto o meu avô a subir as escadas e com medo fechei o livro e escondi-o debaixo da almofada. Chama-me para jantar e para abrir os presentes. Fiz tudo aquilo o mais rápido que pude para voltar a ver o livro. Quando cheguei ao quarto já não lá estava. No dia seguinte a casa de Salvador tinha ardido e um corpo fôra encontrado. Mais tarde vim a saber que era de Matias.
Nunca mais tive uma noite de Natal como aquela. Mas a música que a aquele livro me cantou nunca mais esquecerei:

“Noite feliz,
Noite de amor,
Dá-me com o nabo,
Dá-me por favor.

Noite feliz,
Noite de amor,
Onde está a vaselina,
Diz-me Salvador.”

Parte III

Óh vó! Eu quando for grande também quero ser paneleiro! Não te importas pois não?Claro que não meu rico, claro que não! E continuou a mexer nos caracóis do neto.