10.30.2004

Estou bem, não te preocupes....

Viajo sem rumo num Cadillac azul céu descapotável, enquanto ouço um balada dos led. Vejo ao longe, por entre a névoa da radiação, um vulto escuro com uma farpa a sair da cabeça. Continuo a aproximar-me e espera lá, não é uma farpa, é uma pena.... Será um indígena? É melhor parar para averiguar.
- Sir, need a ride?
- Very kind, but no thanks, this is my apache duty.
Arranco suavemente sem engrenar nenhuma mudança, o meu Cadillac tem caixa automática. Centro as rodas back on the road e deixo-me perder no pensamento. Que frontalidade tinha aquele índio. Que certeza da vida... Num rasgo de sobriedade passo os olhos pelos indicadores do painel e vejo o ponteiro da gasolina encostado assustadoramente. Passei a última bomba já a uns bons 300 km. É melhor parar na próxima. Se lá chegar. Já? Foda-se, ainda agora pensei na merda da gasolina e já me fodi.
Estou no meio do nada, sem mapa, sem água e sem gasolina. Tudo o que tenho é mais duas gazuas. Lembro-me do índio. Inspiro-me no seu olhar e parto à procura não sei bem do quê. Defino prioridades. Água, gasolina, mapa. Paro para acender mais uma. Foda-se, não pode ser, o caralho do índio outra vez!! Caminho direito a ele. O índio pára ao meu lado e faz-me sinal para que me sente numa pedra já muito erodida e gasta.
- Sun, i know what you are thinking. You have established this priority order: Water, Gas, Map, right?
- That's right, sir!!!
- So why have you first picked up a joint?
-You would never understand, unless you open your mind.
- Well, I've defined my priorities too, and they are to reach the end of the road, to pray and then to die, but once you've opened up my mind, do you have a mars ?
- No sir, but why?
- Fuck the end of the road, today it is a good day to die.
Esta é uma boa estória para contar nas reuniões de alcoólicos, toxicodependentes, ministros e demais viciados em poder.
Os produtores vinícolas, os cartéis colombianos e o povo português agradecem.

10.25.2004

Passagem para a loucura ou apenas um desabafo

Passam os dias, passam as noites, passam os carros, passam os charros de mão em mão. Passam-me a mão pela cabeça, passa-se o leite porque o menino não gosta de natas. Palmadinhas no rabo? Depende da mão! E agora? Qual é o melhor caminho para evitar a loucura? O Amilcar diz que é pó cú. Para o Alive é onde existirem putas esterilazadas e vinho do bom. O Stick diz que para o cú não pode ser, porque com ele não resulta. E para vós?
Sinceramente não sei a resposta. Até já nem me lembro qual é a pergunta. Como diria um palerma qualquer, a culpa é das tecnologias que permitem que imbecis mostrem destas coisas, e outras bem piores, que escorram toda e qualquer parvoíce, trocadilho, derrame ou apenas desabafo. Para quê, pergunto? Porque carga de água destruiram a rotunda e lá constroem outra merda qualquer? Porque é que não meteram o dinheiro ao bolso e disseram que alguém o roubou? Em que lugar vai o Sporting no campeonato?
Mas quem? Quem será que me cala!
Mas quando? Quando é que me calo?
Mas porquê? Porque ainda não me calei?
Mas o quê? O que é preciso pra eu me calar?
Mas onde? Onde o que caralho? Com esta é que eu me fodi...
Agora perguntais: Mas que merda vem a esta? Não tens nada melhor pra fazer que andar praqui a escrever merda?
O que acham? Eu apenas desabafo, fofas e cabrões, eu apenas desabafo...

10.22.2004

PLE apresenta : Onrop - O espelho: Smack my bitch up (editors cut). The act is done


Onrop - O espelho: Smack my bitch up (editors cut)

O baixar dos panos


De volta ao estúdio

A rapariga vestida de negro afaga-me o cabelo com ar preocupado:
- O que te aconteceu? Sentes-te bem?
- Onde estou? – pergunto, sentindo uma aguda dor no peito, à medida que me tento levantar.
- Estamos na rua, perto da sala de jogos onde nos encontrámos. Mas o que é que te fizeram?
- Foi o pulha do velho. Está feito! Aquilo vai arder com ele lá dentro!
- Mas o que é que ele te fez para estares neste estado?
- Não interessa! Só te digo que é um velho porco! Nunca mais vás lá, pelo menos sem ires armada!
- Mas tu estás bem?
- Sim. Ajuda-me a levantar, se não te importas. Levas-me a um café para comer qualquer coisa. Tenho a sensação que não consigo andar pelo meu próprio pé.
Quando me agarra pela cova dos braços sinto os seus seios volumosos junto à minha cara.
- Há dias em que vale a pena levar pancada. – digo sorrindo.
Com um olhar envergonhado finge não ouvir, olhando à sua volta como que procurando o caminho a seguir. Evita a direcção donde nos tínhamos encontrado e depois de andar cerca de um quarteirão, praticamente sem falar, entramos numa tasca.
- Desculpa não me ter apresentado. O meu nome é João.
- Eu sei. Nas guitarras são o Pedro e o Samuel, e no baixo e voz é o Escarumba. O meu nome é Anabela.
- Estou a ver que és nossa fã!
- Vocês são altamente. Ouvi dizer que vão em digressão para a Europa?
- É verdade. Partimos hoje à noite. Desculpa? Podes fazer-me um favor?
- Claro. Até te faço mais.
- Então ficas a fazer-me companhia? Preciso de alguém que vá buscar as encomendas ao balcão. A velhota desta tasca não se pode cansar!
Anabela larga uma breve gargalha, calando-se envergonhada, acena positivamente com a cabeça. Levanta-se e vai ao balcão pedir cerveja e croquetes. O seu andar tornou-se mais solto. Parece mais alegre e descontraída depois de me ter encontrado. Ainda bem. Fico feliz porque também me sinto assim.
Conversámos durante horas. Sobre desgostos amorosos, amigos, música e dos sítios onde costumávamos sair. A simpatia mútua levara à atracção, e esta ao desejo incontrolável dos corpos que se tocavam constantemente. Sem dar por isso não conseguia parar de tocar Anabela, nem ela de me tocar. Saltou para cima de mim deixando todos os velhos boquiabertos. Enquanto uns exclamavam “Que pouca vergonha” outros riam e aplaudiam-nos “Assim é que é. Fiquem à vontade. Com esta idade o único prazer que temos é em ver os outros”. Anabela pede-me para a levar dali. Pergunto-lhe se quer ir para o meu estúdio, que não fica muito longe da tasca, o que ela aprova. Andamos lentamente, eu coxeando, ela fixando o caminho que seguia. São sete da tarde e parece que é noite cerrada.
Abro a porta do estúdio e Anabela estende a sua cabeça:
- É mesmo aquilo que esperava. Um sítio amplo e muito desarrumado.
Não a deixo proferir mais uma palavra. Beijo-a ardentemente, sentindo nos seus lábios um misto de desejo e receio.
A sua cara muda de expressão. Agora parece receosa.
- Nunca fiz isto na minha vida. Tenho medo!
- Não tenhas receio, vai correr tudo bem. – respondo, acariciando-a.
Anabela beija-me. Sem pudor, desaperta lentamente a sua camisola. Depois as calças que escorregam pelas suas longas pernas. É-me revelada toda a beleza do seu corpo. Paro um instante para admirar aquela figura, pálida e bela. Ela sorri. Saboreio o gosto da sua pele e imito-a. Lentamente retiro a minha roupa. Segue Anabela massajando os meus seios. Beija-os e deixa-me feliz.
Trocamos caricias, conhecemos as necessidades uma da outra e sabemos como as satisfazer. A sua expressão revela o desejo para que o momento dure uma eternidade, e sempre um pouco mais. E mais. Só uma mulher para compreender outra, saciando a luxúria da companheira, da amante, fazendo-a sorrir, fazendo-a amar de novo. Está verdadeiramente feliz pela primeira vez, ambas o sabemos. O riso mistura-se agora com expressões mais sérias, as cores entorpecem e os sentidos despertam.
Estendidas na cama partilhamos agora o silêncio. Depois do prazer descansamos da cumplicidade do pecado. O tempo passa e não importa a velocidade com que ele corre. Bebemos um vinho e fumamos um charro. Um grande charro. E depois outro. E mais um copo de vinho.
Samuel entra no estúdio achando duas mulheres nuas a dormir:
- Assim é que eu gosto de te ver João: satisfeita. Vá lá, veste-te. Estamos à tua espera lá em baixo.


Jamila Janela21 de Novembro de 2002 e dias seguintes

PLE apresenta : Onrop - O espelho: Smack my bitch up (editors cut). The middle act

Onrop - O espelho: Smack my bitch up (editors cut)
a parte do meio


A sala de jogos

Já tenho as malas feitas e o material pronto para carregar. Duas grandes mochilas cheias de discos e roupa, não preciso de mais nada. Saio à rua deixando a casa desarrumada. A minha mãe há-de vir visitar-me, será ela a fazer esse serviço – se quiser, pouco me importa.
Na rua sinto todos os poros do meu corpo. Todos os meus pêlos se levantam, apontando em todas as direcções, fazendo com que me incomodem agradavelmente todos os raios de sol, brisas, sons mecânicos, humanos ou selvagens. Paro diante a uma loja de animais. Parece, que de dentro das jaulas, me pedem auxilio, o que me faz ficar imóvel perante aquela montra, como que mantendo um diálogo, durante um longo período de tempo, infindável. Um alarme de um automóvel chama a minha atenção. Quando viro a face vejo tudo em pequenas quadrículas. Apavorado refugio-me de novo na montra. Já não estão lá os animais, vejo apenas o meu reflexo, as pupilas dilatadas, a face suada, pálida, alucinada.
Largo a correr pela rua, dando encontrões a quem se intromete no meu caminho. Apesar de estar na minha rua não reconheço nada, ninguém. Voo pela estrada. Oiço uma travagem e um estrondo antes de cair com o ombro sobre o passeio. Um homem sai do automóvel, que derrubou uma cabina telefónica, gesticulando e gritando furioso:
- Olhe bem para isto. Se você se quer matar, faça-o em casa, sem meter outras pessoas ao barulho. Agora não sai daqui. É você que vai pagar todos estes estragos.
Antes que a multidão se apercebesse do que se tinha passado, e aproveitando a distracção do homem em verificar os estragos do seu veículo, sem se preocupar com o meu estado, fujo. Corro sentindo a batida cardíaca a acelerar, soando cada vez mais alta, insuportável. Sinto que estou livre de perigo e entro na primeira porta aberta que encontro.
A sala escura encontra-se praticamente deserta. Há direita três mesas de snooker, do lado esquerdo cinco máquinas de flippers seguidas de um balcão e algumas máquinas ao fundo. Atrás do balcão está um velhote alto e magro, a barba branca por fazer, com olhos fundos, muito fundos, praticamente fechados. Peço-lhe para trocar uma nota para jogar um jogo de flippers e só então reparo no grande espelho atrás do homem. Nele vejo a minha camisa suada e o cabelo despenteado, completamente encharcado.
- Pode usar a casa de banho. – diz o velhote sorrindo e apontando em frente, para a porta atrás das mesas de snooker, estendo a chave em simultâneo.
Ignoro-o e dirijo-me para os flippers, entrando nessa altura uma rapariga. Caminha lentamente, quase parada, remexendo a sua mochila. A sua pele é muito branca e parece brilhar sobre as vestes negras, da cor do seu cabelo longo e apanhado atrás. Da mochila retira uma moeda que deixa cair para vir rolar debaixo da máquina onde jogo. Só então os seus enormes olhos azuis me encontram para me pedir com um sorriso envergonhado:
- Desculpa. Dás-me licença para eu poder tirar a moeda?
Na sua voz noto alguma fragilidade. Uma espécie de lamento mascarado de simpatia, com um olhar pensativo.
- Espera só um bocado. Não quero perder a bola que acabei de lançar.
Continuo a jogar e rapariga não tira os olhos de mim, até que pergunta:
- Tu não és baterista nos Hematoma Pulmonar? És, não és?
Respondo positivamente e perco a bola, pontapeando de seguida os flippers. Apanho a moeda, que entrego, havendo um toque inevitável de mãos seguido de um agradável arrepio, notando na sua cara a partilha da mesma sensação. Claramente incomodada segue o seu caminho para o fundo da sala, onde escolhe um jogo de vídeo para jogar.
Dirijo-me ao balcão pedindo a chave da casa de banho ao velhote, que amavelmente me entrega, e no momento que entro reparo que o velhote sai detrás do balcão. A casa de banho é minúscula, mas limpa, tendo apenas um lavatório e uma sanita. Lavo a cara e ainda sinto a cabeça cheia de ácido. Mergulho a cabeça no lavatório que enchi de água, deixando-a totalmente submersa durante uns instantes, até sentir o apalpar de uma mão em direcção às virilhas. Repentinamente viro-me para trás vendo o velho retirar uma mão, tendo a outra mão dentro do bolso.
- Não me digas que não estás a gostar? Conheço muito bens as pessoas da tua laia!
- Deves estar a pensar que eu gosto de velhos nojentos, não? Põe-te a andar, antes que eu te parta as fuças! – disse empurrando-o contra a porta.
Sem me dirigir mais palavras tira a mão do bolso. Nos punhos tem uma soqueira com me atinge três vezes, deixando-me no chão inconsciente.

10.21.2004

PLE apresenta : Onrop - O espelho: Smack my bitch up (editors cut). The first act

A 20 kms da bilheteira, no sentido norte-sul da linha 1, estava uma mala esquecida. As iniciais mostravam um PB e os cds, as biblias e as ligas das meias da Sónia Araújo não me deixaram dúvidas acerca do seu proprietário da valise. Se não o sabem até agora, também não sou eu que vou dizer.
Mas isto não interessa. O que é importante é um escrito lá encontrado. Prosa bela. De novo, as iniciais JJ dão ponta sobre a identidade do autor.
Esforços de memória e algum exercicio mental podem acertar o contexto em que esta foi escrita. É o que tento fazer. Peguei na pá e vou continuar a escavar mais, até descobrir o verdeiro nome de JJ. Até lá, leiam, já que PLE vos apresenta:


Onrop - O espelho: Smack my bitch up (editors cut)


A viagem

Encontro os dois despidos. O brutamontes avança na minha direcção, deixando Salomé enrolada ao lençol desejando que eu abandone o quarto. Uma força sobrenatural não me deixa recuar, mesmo quando o homem, do tamanho de um grande armário, estala os seus dedos com ar ameaçador. Precipito-me sobre ele agarrando–lhe os cabelos com uma mão, deixando a outra para lhe bater com um soco, furioso e certeiro. Depois o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto... aprendo a gostar do sabor a sangue, que me salpica a face, e alio a este prazer os pedidos de Salomé para que eu pare, enquanto abana o meu ombro chamando pelo meu nome:
- João, João... João. Acorda.
- Hum?
Abro um olho e vejo Samuel, o meu melhor amigo, abanando a cabeça com ar de reprovação. Todo aquele aparato não passava de um sonho, embora eu o desejasse ao ponto de me parecer bem real.
- Por onde tens andado nesta semana? Ninguém te vê. Faltas aos ensaios e não atendes o telefone. Não me digas que te esqueceste que vamos para a Alemanha?
Samuel conhece-me há muitos anos. Sabe que desapareço sem dar notícias sempre que tenho uma grande desilusão, ou tristeza. Sabe que me fecho no meu canto isolado, em sofrimento. Preocupado, espera que eu o procure, o que raramente acontece...
- O quê? Vamos esta semana? – pergunto, esfregando os olhos com as costas das mãos.
- Não acredito. Trabalhámos tanto para conseguir esta tourné, e nem sabes que partimos hoje.
- Eu sabia! E mesmo que não soubesse alguém me haveria de vir buscar! Não iam partir sem mim.
- Pois! Fia-te na virgem... Vê mas é se tomas um banho, que a viagem é longa. Tu tresandas...
- Espera lá? Como entraste? Interrompi-o, para parar o sermão que nada me interessava, adivinhando já a resposta.
- Deu-mas Salomé. Sabes o que disse? Não te perdoa nem que te mascares de abelha Maia. Depois do escândalo que fizeste em casa dos pais dela... esquece-a! Não te chegou faze-la sair daqui a chorar? Tinhas de ir lá enxovalhá-la ainda mais. Todos tinham de ouvir, não era?
- Essa tem graça! Então não me perdoa!? Põe-me os cornos, sem nada me dizer antes ou depois, e ainda quer que lhe peça desculpas. Essa é boa. Traiu a base de confiança da nossa relação... não me disse nada... devia matá-la...
- Sim João, sim... tens toda a razão – disse naquele tom de fim de conversa, como que me dando razão, mesmo pensando que eu não a tinha.
- Viste o carro dos cotas? – pergunto sorrindo, na tentativa frustrada de o pôr do meu lado.
Finge que não me ouve e diz que me vêm buscar às dez, encaminhando-se para a porta. Sai.
Ponho-me de pé, embora por pouco tempo devido às réstias das tonturas da noite passada. Notam-se os vestígios na roupa espalhada por todo o lado, nas garrafas tombadas, pelo chão e na mesa que tenho dois metros em frente à cama. Dirijo-me para bancada da cozinha. Junto a uma garrafa de vodka semi vazia encontram-se fotografias espalhadas. São as fotografias que me revelaram a traição de Salomé. Um antigo namorado. Forte, meigo e inteligente, qualidades que não tenho e dispenso. Muitas poses, muitos sorrisos, muita felicidade, ainda que aparente.
Eu é que a sei fazer feliz. Mais ninguém é capaz disso. Engana-se. Dei-lhe tudo, querendo em troca sinceridade e coragem. Não lhe pedi que deixasse de fazer aquilo que queria, apenas que me contasse todos os pormenores depois, tal como eu fiz, das várias vezes que me envolvi com outras mulheres. Não tenho a culpa que Salomé me fosse fiel. Não foi isso que lhe exigi. Aquela pêga mentirosa transformou um sentimento de amor sincero em ódio. Preciso de a esquecer e seguir a minha vida.
Bebo o que resta do vodka enquanto olho em redor à procura de algo para comer. Tirando os restos colados à pilha de loiça por lavar, não vejo nada comestível. Talvez no frigorífico? À medida que pouso a garrafa, já vazia, reparo nas caixas de plástico e cartão espalhadas por todo o estúdio. Recordo que há três dias que encomendo comida, porque o que está em casa está vazio, ou cheira muito mal. Rebusco as caixas de pizza à procura de alguma fatia que tenha sobrado. Acentua-se o meu cansaço quando me dobro, em busca da fatia perdida - que procuro para adiar a minha saída de casa. À segunda tentativa encontro metade de uma fatia numa caixa mole. Queijo e cogumelos, com leve aroma a vinho tinto, que pinta a caixa. Tão depressa dei a dentada como rapidamente voei em direcção à casa de banho, albarroando pelo caminho a mesa repleta de garrafas. A emergência de vómito não se concretizou. O meu estômago vazio apenas permitiu, para além da dentada, um liquido fino, espesso e verde. Descanso e adormeço. Acordo não sei quanto tempo depois no chão da casa de banho. Ergo-me, olho-me ao espelho e vejo que uma tatuagem me cobre a cabeça, um misto de verde e vermelho com formas confusas, percebendo-se apenas várias cobras, que parecem ter ganho vida.
- Mas como..
Não consigo proferir mais nenhuma palavra. Não me consigo mexer, sinto que os músculos se contraem. Estou a transformar-me em pedra e vou morrer. Falta-me o ar.
Precipito a cabeça no lavatório cheio de água, levantando-a consigo respirar. Olho-me ao espelho e já tenho cabelo, como sempre. Não compreendo o que se acabou de passar. Saio da casa de banho, ainda com a respiração pesada, e, olhando para a caixa pintada de tinto lembro-me que tinha juntado um ácido no vinho. Agora terei de me aguentar.
Apercebo-me que estivera à beira de arruinar o meu futuro, por alguém que não merecia, chegou a altura de pensar em mim. Agarro nas baquetas, dirijo-me para a bateria, decidido a esquecer Salomé. Uma batida frenética, e aparentemente desgovernada, soa pelo estúdio, depois de berrar o que queria esquecer... encarando os bombos e tambores como inimigos, nos quais eu tenho prazer em bater...

10.20.2004

PLE apresenta - The Janitor (ou o Janitão, um conto sobre a emigração)

PLE apresenta - The Janitor

(ou o Janitão, um conto sobre a emigração da autoria de dois emigrantes de sucesso do Entroncamento para o mundo e de volta a O Porto. John Little Chicken e Mary Zei Cross, numa little story, muito cândida e com uma lágrima no canto de olho (aconselha-se a audição da soundtrack pelo Bonga)


How he was sick of all those excursions to the museum. He knew that the teachers were only trying to provide some interest to the students, but they were to many and they were always making such a noise. How could little children enjoy all of those paintings? Sometimes they would stop looking at him and laugh:
- Look! There is the janitor cleaning the floor!
- What a silly hat he has!!
He never reacted to the teasing. There he was, accomplishing his job, trying to keep that museum as clean as he could. In spite of accomplishing his work, one other thing that made him happy was the fact that his father, a fifty-year-old man, come every single day to give him courage and love. Every single day he would remember his father in their old house, painting, while the janitor watched him from the living room.
It was his father that encouraged him to go to the museum. He was always saying to him:
- Some day you are going to be famous, my son. You must believe that. I expect a great deal of you.
As time passed, he didn’t grow famous, but nevertheless his father was disappointed. His father saw him as a perfect being where he had put all of his life, his happiness, anger or frustration.
Suddenly, as if a beam had stroke him, the janitor looked around and realised that the confusion was gone. All the children and teacher had left the museum and could finally finish his work and go home, to his father. How he was happy again, until he found out that he couldn’t go home. He was stuck in that building imprisoned in that room and locked forever in a painting with no life, except that which his father saw in him: one man cleaning a museum. A janitor with his soul stolen by a wizard, gaining his life stealing souls, trying to give fame to his paintings.

10.19.2004

PLE apresenta - A verdadeira história de Manuel da Silva - a peça que faltava

A verdadeira história de Manuel da Silva - a peça que faltava


O morto e a morte:

- O meu nome é Manuel, e estou morto. Mortinho da silva. É bom ver todos aqueles que gosto aqui à minha volta. Nasci a treze de fevereiro, e a treze de fevereiro devia morrer. Não que eu quisesse, mas porque o destino assim o quis. Fechou-se o círculo. Aos sete anos, montei uma cabana que caiu de 15 metros comigo lá dentro, depois de ter roubado o bolo de aniversário e aí o ter escondido para o comer sozinho. Por milagre não morri. Aos dezasseis anos, depois do almoço do meu aniversário, fui ao rio tomar banho e parou-me a digestão. Foi o meu cão que me puxou para terra e chamou os meus pais. Aos 23, quando voltava da viagem de finalistas, o avião caiu, e fui um dos três sobreviventes. Cheguei a pensar que à terceira era de vez. Porque não tendo morrido na terra fiquei com um ferro espetado durante cinco dias na cabeça, a escassos milímetros do cérebro. A morte continuava a brincar comigo. Julgava-me invencível, eterno, resistente a tudo. Bem, não é bem assim. Quem diria que eu ia morrer desta maneira. Sinceramente...
- Como todos os anos, cheguei a casa a horas. Sabia que ás nove me iria encontrar, ainda que à distância, com as minhas salvadoras. Essas queridas... Depois de tomar banho, vesti o meu robe vermelho, e fui para a sala. Peguei nas garrafas para comemorar, e levei as prendas das minhas amigas, para que elas partilhassem o momento em que as abria. Pousei as garrafas, tirei as prendas do bolso e sentei-me. Liguei os televisores onde as via. Parecia que me desejavam os parabéns. Não sabia que prenda abrir primeiro. Decidi-me pelas duas. Com muito custo e habilidade consegui. Agora a parte mais fácil: cortar a maçã que a Madalena me deu e espetar a colher no pastel de nata oferecido pela Diana. A minha mãe sempre me disse que para ter uma boa digestão devia comer primeiro os doces e depois a fruta. Mas eu preferia ficar com o sabor doce na boca. Não me conseguia decidir. A maçã ou o pastel? Olhei para as televisões em busca de resposta. Elas sempre me acompanharam, elas deviam saber... Nisto começou a Formula 1 . Eh! Como eu queria ver esta corrida!
- Deixei a escolha para depois. Nada melhor! Na minha sala, ás escuras, a ver Formula 1. Não me podiam dar melhor prenda. Recostei-me no sofá, nesse momento perfeito. À terceira volta, uma ultrapassagem mal calculada lança o carro contra o cameraman. A velocidade era vertiginosa.
- Coitado! Ele vai morrer... Cada vez está mais perto, mais perto..., ainda mais perto.... não tem escapatória... O quê?! Está a vir contra mim??!!! Está a entrar na minha sala. Vai-me atropelar!!! Estou feito!
- Quando estou mesmo a despedir-me de tudo, eis que a experiência do piloto fala mais alto. Trava mesmo em cima de mim, ainda que derrubando a mesa. Ouço um grito de aflição, de horror.... O meu sofá está-se a mexer. Mas o carro não lhe tocou. Foi ele que ganhou vida! Sinto as costas do sofá a esmagarem-me... não consigo respirar... é o fim... devorado por um sofá...
- Quem me mandou comprar uma televisão interactiva....

10.17.2004

Eu não percebi nada, mas o mundo tem muitas variáveis...

Eu não sei o que andam a escrever o Gualter e o Amilcar, mas eu não percebi nada e também não sei quem sou. Estive a ver o Amor Cão e em homenagem ao ganda filmaço que foi, encapucei o meu gorro soviético, pus-me em boxers e vim a rastejar até ao computador para escrever este post. Estou muito contente porque ninguém me viu, e estou triste porque eu até rastejei bem e foi pena não ter uma AK-47 . Ficava mesmo bem com este meu rastejar.
Estou também muito animado porque estou com uma pedrada de sono bué da fixe, e não tive de beber nem fumar nada para me estar aqui a rir sozinho.
Só queria pedir ao Gualter e ao Amílcar para não abandonarem a escrita, porque há mais malucos do que o que seria de esperar, vejam o contador deste blog! E o director de programas da SIC, que põe os filmes fixes a acabarem às cinco da matina.
Queria aproveitar para mandar um abraço ao meu primo Efigénio que está na França e vai ser rico porque tem uma roulotte de cachorros. Diz que para o ano já há-de ter uma casa de putas.
Queria também dizer que o orçamento de estado para 2005 é uma merda e foi entregue ao Presidente da Assembleia da República em suporte digital, mais concretamente em 4 cd's. Muita merda se vai fazer ao português para serem necessários 3 GB de informação acerca da melhor maneira de chegar aos nossos bolsos. O meu primo da França diz que a melhor maneira de ir ao bolso de um homem é montar uma casa de putas, ele lá sabe!
Eu é que já não sei nada.
Já que as cores estão na moda vou pôr isto não a azul marinho, nem a azul bébé, nem azul escuro tão pouco, vou pôr isto a azul sistema!!!
Já pus.

10.14.2004

AUTO SHUT OFF - clear voice plus

Contagem final - auto shut off... uó,uó,úú

Por solidariedade com o meu filho Amilcar Alho, venho condenar publicamente a conduta dessa mórbida besta delirante que sou eu próprio. Mas, saibam, não o faço por vontade própria! O que se passou parece tirado da biblia, tal qual a vida do próprio Cristo:

Ontem à noite naquela terra que não é Santa Maria Feira juntaram-se GNR's, padres, drug-dealers, prostitutas, políticos, barbeiros e pintores, (a mais pura elite local, portanto), para "crucificar" a minha pessoa, que desde que aqui posta incomóda estes poderes estabelecidos. Todos na penumbra aguardavam a denúncia do traidor, que daria um beijinho ao messias (que sou eu).
Após a ceia, eis que me bate à porta o meu querido filho Amilcar Alho.
Pai, disse, preciso que me faças um favor!
Todos os que estiverem ao meu alcance adorado filho, repliquei.
Por favor, eu preciso desesperadamente de ingerir uma substância sagrada proveniente do teu membro inspirador, revelou. Preciso de ingerir o teu sémen, o teu revelador leitinho agrídoce, continuou.
Tens a certeza, repliquei, não achas que estás a exagerar?
Não, tem de ser agora adorado pai, respondeu com um esgar de malicía, deleite, alegria e impaciência.

Tal qual Judas Iscariotes, após o beijinho (mamada, broche) saem das sombras os fariseus, e agora após mil e uma torturas vejo-me obrigado a seguir o caminho de Amilcar e abandonar o blog. Peso muito esta decisão, mas se não faz sentido para o meu filho, também naõ faz sentido para mim...

3, 2, 1 CIU

PLE apresenta - A verdadeira história de Manuel da Silva -parte IV

A verdadeira história de Manuel da Silva - parte IV


A maçã envenenada:


Madalena vivia um momento único de acalmia, de paz. Pela primeira vez desde o fatídico regresso da viagem de finalistas, as vozes que lhe ditavam o destino estavam finalmente de acordo:
- “Mataste-o. Venceste.“
Que mudança dos pregões beligerantes e mortíferos de há pouco tempo atrás:

- “Aquele burgesso. Aquele telemóvel... foi ele! Tudo por culpa dele!“
- “Sim, foi aquele cão, era dele o telemóvel, e foi por causa dele que o avião caiu!”
- “Ele não merece viver! Morte!”
- “Sim! Morte!”
- “Morte ao cão!“
- “Não há outra solução! Acaba com ele! O fim dele é o teu princípio... Mata-o!”
- Mas como?! - respondia Madalena
- “Ele confia em ti...“
- “Sim!!!!!”
- “Sim! Da próxima vez que ele te vier consultar sobre os astros dá-lhe a maçã da árvore do Diabo.”
- “Pois! Isso mesmo! A maçã da árvore do Diabo. Como é que eu não me lembrei disso antes!!!“
- “És mesmo estúpido! Não se estava mesmo a ver?! Só podia ser a maçã”
- “A maçã!”
- “A maçã do demo... Só ela mata sem deixar rasto!”
- “Perfeito! Bom plano!”
- Mas como o faço comer a maçã? Ele gosta é de doces... Não, não o quero matar...
- “Não sejas totó! Mata o cão!“
- “És mesmo burra! Não vês que é a única maneira de seres feliz?”
- “Tens de o matar!“
- “Quando lhe deitares as cartas diz-lhe que os astros o aconselham a comer fibras. Mas não uma fibra qualquer.“
- “Sim! Boa!”
- “Só na Tailândia se encontram as fibras que ele precisa. Nas maçãs que nascem numa falha sísmica propícia para o desenvolvimento dessa fibra tão especial e milagrosa “
- “Sim, só lá!“
- “Boa tanga!”

Apesar de calmas, as vozes não se calavam. Madalena não se queria lembrar, mas elas não a deixavam.

- “Olha bem pra esse palerma... devias arrancar-lhe os cabelos.”
- “Sim! Puxa! Puxa!“
- Psiu... – diz Madalena para as vozes dentro de si. – Deixem-me em paz! Não o devia ter envenenado. Ele não era assim tão mau. Vocês é que o pintaram mau aos meus olhos. Eu não queria... eu não queria...
- “Cala-te, oh betinha, ninguém te perguntou nada!“
- “Iá man, tens razão! Cala-te!“
- Vocês não me entendem.... – suspirou Madalena
- “Não digas que não gostaste de o ver estrebuchar!“
- “Foi a tua mão que lhe deu a maçã. Tu!“
- “Dizes que não querias mas quando o viste entrar na sala começaste-te a sorrir. Estavas a gostar?“
- “Gostas pouco, gostas...“
- “E quando ela se largou a rir quando ele puxou o lustro à maçã, convencido de que seguia um conselho de uma boa amiga...”
- “Boa amiga me saíste!”
- “Com amigas assim quem precisa de se preocupar em arranjar inimigos...“
- “Coitado do Manuel...“
- “Pois, coitado... quando cortou a maçã ao meio nem sabia que estava a cortar o seu tempo de vida... “
- “Sim... e quando ele a trincou? Via-se que nunca tinha comido nada tão bom.”
- “Pois é. Até te agradeceu...”
- “Tal como tu agora lhe acaricias a cabeça, também ele te tentou acariciar, através da câmara.”
- “Quem é que o mandou aceitar um presente duma gaja que ouve vozes? Estava-se mesmo a ver que só comia metade...”
- Pois é, era mesmo estúpido aquele gajo. Ainda bem que resolvi acabar com ele. Afinal de contas foi ele que matou os meus colegas. O único elogio que lhe posso fazer é ter tido a ideia de montar estas câmeras. Para o poder ver a morrer... Ah Ah Ah!
- “Ah Ah Ah Ah” – riram as vozes num coro sinistro.

10.13.2004

PLE apresenta - A verdadeira história de Manuel da Silva -parte III

A verdadeira história de Manuel da Silva - parte III

O pastel que mata:

Dos três Diana distinguia-se por ser a mais predatória das criaturas. Na amizade e no trabalho, quando ferida no âmago do seu orgulho, revelava-se um verdadeiro tubarão, uma gladiadora implacável, sem pares, gritando na arena “ glória ou morte”. Era preciso ir muito fundo para conhecer a armadura que impunha com todos, necessária para proteger o coração empedernido dum ressentimento castrador. Mas não era em vão que tinha ido ao velório do Manuel. Esta seria a última oportunidade de saldar os resquícios da mágoa. Ao contrário do Manuel, Diana sabia guardar segredos até os insignificantes. Ele disse muita coisa, porque conhecia muito dela. Parecia que a vontade de revelar verdades ocultas já nos tempos da faculdade se sobrepunha à amizade. Mas não ela .Não Diana, que sabia até que comia sem excepção todos os dias um pastel de nata.
- Que promessa mais estúpida. – pensou Diana enquanto olhava o defunto e os amigos embriagados à sua direita - Contaste-me que desde pequeno tinhas esse hábito, muito por causa da tua avó. Não havia dia em que faltasse o pastel e a colher para comeres primeiro o recheio. Sobretudo depois da morte dela a quem prometeste nos instantes que precederam esse afastamento inconciliável, manter este ritual ao longo da tua vida. Trocámos segredos, mais do que aqueles que me consigo lembrar. Há contudo um que continua presente e não se dissipa, tal como as marcas que ficaram gravadas no meu corpo . Como se não bastasse o que a tua mãe me fez. As reguadas sucessivas, tão injustamente sucessivas. Tudo consequência desse feitiozinho. Mentiste à tua mãe, incendiaste-a contra mim, tudo porque não pude aceitar o teu amor. Por causa dessa tua inveja ainda hoje tenho a única imperfeição do meu corpo, nas minhas mãos . Estes cortes fizeram-me desejar a tua morte que agora festejo. Marcaste-me, e agora fui eu que marquei o teu destino. Tinha de te ver sofrer, e aos teus amigos. Gozaram comigo. Agora é a minha vez... Esperei vários anos por este momento, mas nunca consegui encontrar uma ocasião para me vingar. Não vi o que estava à frente dos meus olhos. O crime perfeito, a gula foi o teu pecado mortal.
- Como de costume neste dia, 13 de Fevereiro, trocámos as nossas prendas. Deste-me um inocente ramo de flores, e eu o que tu não esperavas. Sabia que ias ficar contente. Era o pastel mais bonito que já tinhas visto, cremoso, tostadinho como tu gostavas. Deu muito trabalho para o conseguir. E ainda mais trabalho tive para arranjar um veneno que não deixasse marcas. Não fui trabalhar. Esperei que a câmera se ligasse e que chegasses a casa. Como acontece todos os anos , poucos minutos antes das nove , entraste na sala, sem acender a luz, abraçando as garrafas que afogavam a tua solidão. Pousaste-as na mesa, e de um dos largos bolsos do robe tiraste o embrulho que te ofereci. Lá dentro tinha posto uma colher que tu retiraste com um sorriso. Eu tinha me lembrado. Aproximaste-te da câmera e como se eu estivesse ali , com uma lágrima no olho beijaste-me. Idiota. Naquele momento eras o homem mais feliz do mundo, aumentando a tua felicidade de cada vez que levavas a colher à boca. Julgavas que alimentavas o nosso amor, mas era o meu desejo pela tua morte que ia ficando satisfeito. Mesmo quando, depois de acabares o pastel, te engasgaste, olhaste para mim como se eu te pudesse e quisesse ajudar. A medida que esperneavas, ias-te afundando no sofá, gasto e roçado como tu, ambos com tempo a mais de vida.

No silêncio angustiante da casa mortuária, a excitação de Diana berrava a sua glória, feita da morte de Manuel da Silva.

10.12.2004

PLE apresenta - A verdadeira história de Manuel da Silva -parte II

A verdadeira história de Manuel da Silva -parte II

O Velório:

Sete pessoas cercavam o caixão que se encontrava ao centro da sala. Manuel da Silva estava mais tranquilo que nunca e raramente bem vestido. Permanecia imóvel e pálido com as duas mãos cruzadas sobre o peito.
O seu advogado tinha tratado de tudo, satisfazendo os seus últimos desejos. Os seus sapatos brancos, de verniz, eram da cor do fato. O seu casaco, da mais pura seda tailandesa, tinha três grandes botões que se confundiam com o azul da camisa. Ao pescoço, atado com um nó cego, o cachecol que havia pertencido ao seu avô. Desfiada nas pontas e rota em alguns sítios, a malha azul e branca era uma herança religiosamente guardada. No bolso esquerdo do casaco estava um comando de televisão negro, com um grande ecrã e muitos botões coloridos, e presa no outro bolso estava pendurada a sua carteira de jornalista.
Junto à porta, sentados, estavam três colegas de trabalho, jornalistas na Sportv, murmurando entre si:
- Era um profissional competente.
- Sim, sem dúvida. Mas tinha um feitio terrível.
- Já se sabe a causa?
- Acho que não. Só sei que foi uma morte misteriosa.
- É uma pena. Perdeu-se um profissional com um futuro promissor... uma grande perda para o jornalismo desportivo.
Na ponta oposta da sala encontravam-se os seus dois melhores amigos, visivelmente abalados, fardados a rigor como era a vontade do falecido: camisas de listas azuis e brancas enfiadas dentro dos calções azuis, e meias com riscas horizontais com as cores das camisolas. Notava-se que estavam embriagados pois não eram capazes de permanecer imóveis. Antes pelo contrário, ondulam frequentemente, como se estivessem dentro de um barco perdido no mar alto. Haviam prometido acompanhá-lo, sem descanso, sem proferir uma única palavra, até ao momento em que a terra o tapasse na sua última morada.
Perto do caixão as duas únicas mulheres da sala sobressaem como benfiquistas nas bancadas da Juve Leo, sós e alienadas.
Aos pés do morto, uma jovem alta, de curtos e modernos cabelos castanhos, envergava com pose de femme fatale um revelador vestido preto de corte invulgar, calçando luvas que a escondiam até aos cotovelos. Os seus lábios, esticados em beicinho, espelhavam uma certa excitação por aquele momento. Remexia com frequência na mala que tinha pendurada no ombro. Lá dentro ajeitava com a mão um bilhete de avião, que olhava constantemente, lendo o seu nome: Diana Meireles.
A outra, uma magra mulher pasmada, afagava os cabelos espetados do defunto. Aparentemente calma, a sua face reflectia uma seriedade gélida, indiferente à dor geral. A capa que a cobria até à sola dos sapatos confundia-se com os seu longos cabelos, dando a sensação de uma nuvem escura, sinistra, pairando no topo do caixão. Não transparecendo, sentia-se desconfortável. Com muita mestria disfarçava o sentimento de sufoco que as paredes lhe infligiam. Na sua cabeça várias vozes murmuravam o seu nome: Madalena, Madalena...
Manuel da Silva, Diana Meireles e Madalena Tábuas, tinham sido colegas no curso de Comunicação Social e todos trabalhavam na televisão, os únicos daquele ano a conseguirem emprego, depois da grande tragédia. Na volta da viagem de finalistas ao Brasil, o avião que os transportava despenhou-se derivado a uma avaria técnica causada por um telemóvel, sobrevivendo os três a tamanho desastre. Nesse dia fizeram a promessa de se ver, através de uma ligação televisiva, todos os anos à hora do acidente, durante meia hora. No dia treze de Fevereiro, às vinte e uma horas, três câmaras ligavam-se para transmitir as imagens que lembravam aquela data fatídica.

PLE apresenta - A verdadeira história de Manuel da Silva -parte I

A construtora civil Gualter Póqú Eun 10Canso escavou "pros lados do entroncamento":

Uma história de Isabel Cutileiro, João Santos e António Couto, e cuja semelhança com o título de a verdadeira história de alcides pinto é puro plágio (apenas com o título, isto também não é assim tão ru im)

A verdadeira história de Manuel da Silva

Na sala escura:

A escuridão da sala era atenuada pela luz dos chuviscos negros que pintavam as telas brancas dos ecrãs. Um bloco de nove televisores observa, sobranceiramente, a cena. Morto, afunda-se no sofá de veludo vermelho, assim como o homem, gasto e roçado. Confundem-se ambos.
Ao alcance, sobre a mesa, uma maçã talhada num tempo perdido enegrece e exibe a faca que a dilacerou. Ao lado, várias migalhas, únicos vestígios do que fora um pastel de nata, estavam polvilhadas sobre o tampo, sobretudo em cima de um amachucado papel de pastelaria e de uma pequena colher de café. Garrafas de bebidas alcoólicas para todos os gostos, cheias, vazias, entornadas, compunham um confuso quadro que contrastava com o resto da sala, impecavelmente arrumada.
Um outro elemento na sala parecia desenquadrado. Tanto pela cor que ostentava, como pelo modo como estava disposto. Um tapete de invulgar vermelho vivo, aparentemente largado ao acaso entre o bloco de televisores e a mesa. De forma rectangular, tinha dois desenhos negros, paralelos, como se fosse uma marca de uma travagem brusca.Uma câmara em cima dos televisores tudo via. Naquela floresta ordenada, os vários móveis, alinhados, cheiravam a tempos antigos. Tão antigos como a morte...

pros lados do entroncamento (PLE)

Cerrem os dentes, esfreguem as mãos e preparem-se para uma viagem alucinante até ao limites de "pros lados do entrocamento".
As viagens mais loucas aos melhores preços em, "pros lados do entroncamento".

Como há pouca acção naquela terra que não é Santa Maria da Feira e os que a aqui blogam parece que dormem, Gualter Póqú Eun 10Canso decidiu armar-se em investigador,detective, gladiador, prostituto, cameraman, actor, realizador e tal e coiso, não sei que mais, não que menos, pode ser que talvez, assim assim ou talvez não...
Preparem-se então para a primeira viagem "pros lados do entroncamento", a sair brevemente num Pc junto de si...

10.07.2004

My name is Gualter Póqú Eun 10Canso... e isto é um post de merda...

... isso é uma coisa certa. Tal como o sistema que se alimenta da verdade desportiva, tal como o Jota Pinto come a Marisa Cruz, tal como os piqueniques no mato, tal como El Caserio tafalla pastillas de cafe y leche, tal como etecetera (onde é que isto leva a acentuação?) e tal e coiso assim...
Sei que pelo menos uma pessoa se tem interrogado sobre o porquê de eu estar tanto tempo sem escrever aqui. Para esse alguém (que por acaso até é um ser que vejo todos os dias pra lá do espelho) e para os restantes, que não o Professor (aka Marcelo Rebelo de Sousa), a verdade será impressionante e concerteza bastante dura...
Coro: Qual é Gualter?
Muito bem. Não é o caralho, mas foi um cagalhão entalado!
Coro: Um cagalhão entalado?
Gualter: Sim. Um cagalhão entalado. Não se trata de uma questão de doença, trabalho, ou até de dificuldade de expressão do meu génio idiota, mas sim de uma matéria relacionada com um bom entendimento dos sinais do corpo humano. Aqui vai um precioso concelho: quando as vossas tripas e vísceras tentarem dialogar convosco, escutem-nas.
Ouçam-nas com atenção e reflictam sobre o que ouviram. E mais, perguntem aos vossos amigos (companheiros e palhaços deste circo deambulante que é a vida) sobre as várias experiências com as vozes interiores. Muitas vezes, e temos como prova a recente experiência de Amilcar Alho, estas ocasiões são confundidas de experiências do além, para além da vida e um bons metros antes da morte.
Se o caro Amilcar tivesse o cuidado de escutar a sua voz interior (mais conhecida como a fina voz do inocente cagalhão aprisionado com base em erros de julgamento e falsas provas criadas pela aCÚsação) teria percebido que a morte que o mandara para trás era o cagalhão a lutar pela vida, já a prever o seu futuro (longo, grosso e negro, presumo) da dupla africana da liga "prend'os cagalhão. Empurras tú ou empurro eu?".
Mas isto são casos extremos.
A minha luta, ainda que não sendo tão extraordinária, foi a mais comum e mais sangrenta de todas (por favor substituir sangrenta por merdosa) e, por isso mesmo, de uma violência capaz de fazer vomitar um suíno com trinta anos de pocilga (as palavras, suíno e pocilga, são para ser erntendidas à letra).
Por isso não a vou descrever. Apenas revelo depois disto darão outro sentido à expressão "cagar macio".
Espero que aprendam comigo, tal como eu aprendi etiqueta com o José Castelo Branco.



Para mais informações dirija-se à fundação igreja que sofre e ser-lhe-á enviada documentação gratuita.